quarta-feira, 15 de outubro de 2014

Notícia publicada no Diário Popular sobre a ZAT do Coletivo Negada

A contracultura como educação

Coletivo Negada, com sede no Barro Duro, descentraliza o debate acerca do racismo e do reconhecimento da cultura negra
Lili Rubim (D) e Sassá Souza contam que a troca de informações é a base (Foto: Jô Folha - DP)
Lili Rubim (D) e Sassá Souza contam que a troca de informações é a base (Foto: Jô Folha - DP)
O grupo surgiu em 2011, durante o Acampamento Regional de Cultura Afro, em São Lourenço do Sul (Foto: Jô Folha - DP)
O grupo surgiu em 2011, durante o Acampamento Regional de Cultura Afro, em São Lourenço do Sul (Foto: Jô Folha - DP)
Lá no Barro Duro, bairro em que grande parte da população se declara negra, existe um coletivo. Seu objetivo é deseducar, funcionar como contracultura e, através destes pilares, desconstruir, de dentro da comunidade para fora dela, o ideal branco e elitista de racismo, em vigor há milênios no mundo inteiro. É o Negada, que desde 2011 utiliza oficinas e cursos de formação como forma de resistência e de transformação social.
O grupo surgiu em 2011, durante o Acampamento Regional de Cultura Afro, em São Lourenço do Sul. Lá, André Almeida, estudante de História da UFPel, descobriu o coletivo Afronta, sediado em Santa Maria. Quando voltou para Pelotas, trouxe consigo a ideia de implementar o mesmo ideal na cidade. Juntou-se a acadêmicos de Ciências Sociais e todos passaram a se reunir na biblioteca no Instituto de Ciências Humanas da universidade.
Luta pelas cotas
A primeira ação se deu durante a eleição para a reitoria da UFPel, ainda em 2011. Enquanto a maioria dos estudantes se dividia entre os candidatos, o Negada optou por não apoiar nenhuma chapa, mas sim indagá-las acerca do tema das cotas, à época recém-aprovada de forma constituinte pelo STF.
Nesse momento o grupo cresceu e continuou a realizar atividades pontuais, tal qual o Fórum Cotas Sim e exposição no Clube Cultural Chove Não Molha com fotos e documentos da comunidade negra pelotense.
Porém, este crescimento também culminou na criação de certa oposição ao coletivo. Lili Rubim, membro do Negada, conta que muitas pessoas têm interesse no resgate histórico do negro, mas algumas questões que o grupo costuma tocar enfrentam resistência - as cotas entre elas. "Nos diziam que haveria resistência, mas exatamente esse pensamento é que cria a resistência", comenta.
Enquanto isso
Durante essa parada, o coletivo passou a atuar mais dentro da universidade, desempenhando projetos relacionados à lei que obriga as instituições de ensino a ensinar história e cultura africana, afro-brasileira e indígena - o fizeram através de conversas que tentavam instituir a lei dentro da UFPel. "Sentimos aí que a própria universidade é despreparada para esse tipo de debate", comenta Lili.
Também por isso o Negada passou a realizar, dentro da universidade e onde mais fosse chamado, cursos de formação em educação escolar quilombola e direitos humanos. "São muito legais pela ideia de multiplicar. Trabalhamos normalmente com professores de escola pública e futuros docentes", afirma a membro.
Agosto Negro
Em 2011, juntamente com o coletivo Tranca Rua da Casa 171, o Negada passou a organizar o Agosto Negro, iniciativa com o objetivo, entre outros, de discutir a questão carcerária da população negra. No primeiro ano, a realização foi impulsionada pela construção de um muro que dividia o bairro Navegantes do então novo campus da universidade, o Anglo. "Foi interessante essa primeira edição porque conseguimos ver como estava abafada e quieta a questão do racismo na cidade", conta Lili.
No segundo ano, já com mais parceiros, o projeto se expandiu para mais bairros e foi composto por mais dias. O Negada passou quase duas semanas indo em escolas e bairros com cursos de formação em direitos humanos.
No Barro Duro
A última edição, realizada em agosto passado, aconteceu já na sede do coletivo, onde Lili e Sassá Souza, outra participante do grupo, moram há dois meses. "O bairro nos escolheu", afirma esta. Ela conta que seu contato com o Barro Duro surgiu quando o diretor Caio Mazzilli a convidou para fazer um filme sobre o local, baseado na lenda do Nioro, de Maria Helena Vargas. "Ele se apaixonou pela história de um negro estudar, ser doutor, e não se identificar nem com a academia nem com a cultura dele quando volta. A gente vê dentro da universidade e da escola muitos negros que têm que se tornar brancos mesmo sem se dar conta disso", conta.
Porém, na hora de filmar, as reivindicações da população, criticando principalmente à época certa repressão policial e a falta de saneamento, transformaram o filme quase em um documentário denúncia.
A partir daí, Sassá passou a frequentar o Barro Duro nos finais de semana, até que recebeu a proposta de cuidar de uma casa no balneário. "Casou que já estávamos procurando uma sede para as atividades do coletivo. Todo o final de semana cada um deixa um pedacinho aqui. Se conversa sobre várias coisas e tentamos trazer o máximo de outras coisas que não aprendemos na educação e na cultura convencional", comenta.
Ela exemplifica com o caso de uma menina que "sabia tudo de terreira e queria nos contar. Assim a gente troca informação". Ou dos jovens estudantes, que aparecem na sede desanimados por seus professores falarem sobre grandes nomes da História, mas sempre se esquecendo dos que foram importantes para os oprimidos, tal qual Zumbi dos Palmares, Lampião e Antônio Conselheiro. "Eles sabem pela família, pela capoeira. A educação oral que os mestres griôs trabalham e a gente tenta aqui."